E EIS QUE, TENDO DEUS DESCANSADO NO SÉTIMO DIA, OS POETAS CONTINUARAM A OBRA DO CRIADOR.
(MÁRIO QUINTANA)

terça-feira, 28 de abril de 2009

DEIXA ME FICAR CONTIGO, MÃE

NÃO QUERO IR EMBORA
Conversa de um feto, de uma Mãe que quis abortar


Não sei porque é que a minha mãe não gosta de mim!
Sinto-me tão triste!
Dantes, falava comigo,
acariciava-me,
fazia-me ouvir aquelas músicas bonitas
que a fazem sonhar...

De repente tudo isso acabou.
Porquê? Porquê?
Eu não lhe fiz nenhum mal…
É certo que às vezes lhe provoco dores,
ela contrai-se e geme,
mas é só porque preciso esticar as pernas.

Ela pensa que estou a dar-lhe pontapés,
que a quero magoar
mas eu seria incapaz de lhe causar a mais ligeira dor,
de propósito.

É sem querer, mãe, não entendes?

Foi por te ver assim tão triste que eu te disse:
quero ir-me embora!

Perdoa, minha mãe, eu não queria dizer aquilo.
EU NÃO QUERO IR-ME EMBORA!
Perdoa-me, por favor,
deixa-me ficar contigo para sempre.
Quando chegar a hora normal de enfrentar o mundo,
partirei,
mas continuarei ligado a ti.
Para sempre!
Vais orgulhar-te de mim, minha mãe.


Maispa
LuzMarço 2009

terça-feira, 21 de abril de 2009

MÃE, VEM OUVIR A MINHA CABEÇA…

FERNANDO PESSOA - POR ALMADA NEGREIROS


MÃE, VEM OUVIR A MINHA CABEÇA…

ALMADA NEGREIROS

Mãe vem ouvir a minha cabeça a contar historias ricas,
que ainda não viajei!!
Traz tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue, sangue!
Verdadeiro, encarnado!

Mãe ! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar, tenho sede!
Eu prometo saber viajar...

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens.

Aquelas que eu viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa,
como a mesa.
Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! Passa a mão sobre a minha cabeça!
Quando passas a tua mão sobre a minha cabeça é tudo tão verdade!


Almada Negreiros


De seu nome completo José Sobral de Almada Negreiros, natural de S. Tomé e Príncipe, Almada Negreiros (07.04.1893 – 15.06.1970) foi um artista multidisciplinar – pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista. Foi um arauto do futurismo e das vanguardas.
Despertou ódios e paixões.
No ramo da pintura é famoso o seu quadro retratando Fernando Pessoa (ACIMA).
No campo das letras destaca-se o famoso MANIFESTO ANTI-DANTAS, assim como a frase:
“Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.”
Faleceu em Lisboa, no Hospital de S. Luís dos Franceses, no mesmo quarto onde tinha morrido Fernando Pessoa.

domingo, 12 de abril de 2009

RESSURREIÇÃO




RESSURREIÇÃO

JOÃO VIDEIRA SANTOS

trago no peito as chagas da tua dor,
os espinhos da cruz
onde a palavra gemeu na apatia do homem…

trago na ressurreição da fé a força e a coragem de,
nos olhos da esperança,
pedir perdão e acreditar
que todos somos irmãos,
mesmo que a resignação de alguns
não seja a de todos…

trago em mim a confiança,
o querer, a vontade,
para que, no melhor de nós,
ressuscite o homem que,
na semelhança de si,
construa um mundo melhor,
mais solidário,
mais fraterno,
mais igual.

Por gentileza do autor:

JOÃO VIDEIRA SANTOS

terça-feira, 7 de abril de 2009

POVO QUE LAVAS NO RIO




Se quiser, comece por ligar o vídeo, que está no final, e acompanhe Dulce Pontes

POVO QUE LAVAS NO RIO
Pedro Homem de Melo

Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.

Fui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão.
Era o vinho que me deste
Água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não.

Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição.
Povo, povo, eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida não.

Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.


Pedro Homem de Melo


Porto, 6 de Setembro de 1904 — Porto, 5 de Março de 1984

Pedro Homem de Melo foi um dos colaboradores do movimento da revista Presença. Apesar de gabada por numerosos críticos, a sua vastíssima obra poética, eivada de um lirismo puro e pagão (claramente influenciada por António Botto e Federico García Lorca), está injustamente votada ao esquecimento. Entre os seus poemas mais famosos destacam-se: PRECE…MAS QUE EU MORRA EM PORTUGAL, Havemos de ir a Viana, O rapaz da camisola verde, e Povo que lavas no rio.


Dulce Pontes - Povo Que Lavas no Rio