EUGÉNIO DE ANDRADE
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim...
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras ou beijos
ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente,
no meio de sombras?
EUGÉNIO DE ANDRADE

EUGÉNIO DE ANDRADE
Pseudônimo de José Fontinhas Rato.
Poeta português nascido na freguesia de Póvoa de Atalaia (Fundão) em 19 de Janeiro de 1923.
Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada.